Considerada como a tecnologia mais importante desde a criação da internet, a Blockchain possibilita uma verdadeira revolução na forma de prestação de serviços em diversos setores da economia.
No entanto, no setor jurídico, existem alguns entraves para sua utilização, especialmente com relação à aplicabilidade da Lei Geral de Proteção de Dados.
A fim de compreender os desafios desta tecnologia sob esta perspectiva, é importante compreender como ela funciona.
Blockchain é uma tecnologia na qual um banco de dados digital é compartilhado e sincronizado através de um algoritmo e armazenado em vários computadores, sendo que estes armazenam uma cópia integral do banco de dados (“livro de registro”) e podem acrescentar um “bloco” de informações que fará parte integrante do livro somente quando os outros computadores consentirem que aquelas informações foram adicionadas corretamente, dando veracidade e continuidade à cadeia de blocos criada.
Não obstante, é importante ressaltar também que esta tecnologia é descentralizada e considerada um imutável no sentido de que os blocos de dados podem ser adicionados, mas não podem ser removidos, o que dá confiabilidade aos dados que foram inseridos.
A descentralização desta tecnologia é um dos pontos desafiadores perante a ótica da LGPD, uma vez que a legislação centraliza a responsabilização do tratamento de dados pessoais a uma pessoa física ou jurídica (controlador) enquanto que a tecnologia substitui o controlador por diversos atores distintos, o que influenciaria, inclusive, na definição da jurisdição competente para ajuizamento de eventuais demandas.
Ademais, a característica de imutabilidade onde blocos de informações só podem ser adicionados e não removidos confronta diretamente com a premissa da LGPD na qual os titulares de dados pessoais podem, a qualquer momento, solicitar aos controladores que removam seus dados pessoais de seus bancos de dados.
Outro desafio da utilização da tecnologia seria com relação ao cumprimento do princípio da necessidade, disposto no artigo 6º, III, LGPD, o qual dispõe que o tratamento de dados pessoais somente poderá ser realizado utilizando os dados pessoais essenciais para que seja atingida uma finalidade. Utilizando-se a tecnologia blockchain verificamos a existência de uma cadeia cada vez maior sendo que, em cada acréscimo de bloco de informações, todos os dados da cadeia serão novamente tratados, ou seja, os dados pessoais continuarão a ser tratados por muito tempo após a realização de uma transação.
Apesar dos desafios, não há incompatibilidade de utilização desta tecnologia e a proteção de dados pessoais, vez que esta tecnologia, por outro lado, garante uma melhor gestão de compartilhamento de dados e pode eliminar a necessidade de terceiros para promover o gerenciamento dos dados pessoais diminuindo o risco de vazamentos.
Ademais, algumas medidas técnicas podem ser utilizadas para mitigar os riscos da utilização de blockchains e garantir o cumprimento do disposto na LGPD como, por exemplo, fornecer ao titular de dados as informações necessárias sobre o toda a cadeia de processamento de seus dados.
É importante que as organizações tenham um posicionamento atento para as consequências jurídicas, sociais e econômicas na utilização desta tecnologia e também conservador aguardando a Autoridade Nacional de Proteção de Dados, bem como o posicionamento jurisprudencial para verificar se elas seguirão a tendência de dar maior ênfase à capacidade da tecnologia afetar a finalidade do tratamento de dados pessoais ou à possibilidade de definição de tratamento destes dados.
A tendência é de que as autoridades tenham um posicionamento que evite uma regulamentação cerceadora e que impeça o desenvolvimento tecnológico e econômico das organizações, inclusive porque o objetivo da LGPD não é o impedimento do tratamento de dados pessoais, mas sim equilibrar o desenvolvimento com o direito fundamental de proteção aos dados dos titulares.
Advogada | Núcleo Empresarial