Em 28 de março de 2022 foram editadas as Medidas Provisórias nº 1.108 e 1.109, que trouxeram algumas alterações em artigos da Consolidação das Leis do Trabalho.
Ambas as medidas provisórias colocam em holofote a regulamentação do regime de teletrabalho, objetivando garantir maior segurança jurídica quando da sua aplicação.
O trabalho remoto, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), é definido como “a forma de trabalho realizada em lugar distante do escritório e/ou centro de produção, que permita a separação física e que implique o uso de uma nova tecnologia facilitadora da comunicação”.
Esta definição foi aprimorada pelo artigo 75-B da Consolidação das Leis do Trabalho, que dispõe que “Considera-se teletrabalho ou trabalho remoto a prestação de serviços fora das dependências do empregador, de maneira preponderante ou não, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação, que, por sua natureza, não se configure como trabalho externo.”
É fato que esta modalidade de trabalho veio a ganhar relevância com o advento da Pandemia de COVID-19 dada a sua utilidade para a prevenção e contenção da disseminação do coronavírus, assegurando e permitindo a não interrupção das atividades econômicas e laborativas implementadas no âmbito de determinadas empresas e evitando o contato pessoal entre seus colaboradores, com a consequente contenção da transmissão do vírus.
A MP nº 1.108 fez alterações significativas em algumas disposições da CLT no que concerne ao trabalho remoto, dentre as quais merecem destaque (i) a possibilidade da aplicação do regime também para estagiários e aprendizes; (ii) a priorização de trabalhadores que possuam filho ou criança sob guarda judicial com até 4 (quatro) anos de idade ou deficiência para as vagas em teletrabalho; (iii) a determinação de que, para aqueles trabalhadores que não residem na mesma localidade do empregador, poderá ser aplicada a legislação e os acordos coletivos de sua região; (iv) a obrigatoriedade de que conste a modalidade do teletrabalho, de forma expressa, no contrato individual de trabalho; (v) a exceção com relação ao comparecimento do empregado de forma presencial no ambiente laboral para a realização de tarefas específicas, ainda que de forma habitual, sem descaracterizar o trabalho remoto; (vi) também não constituirá tempo à disposição do empregador, regime de prontidão ou de sobreaviso o tempo de uso de equipamentos tecnológicos, aplicações de internet e similares utilizados para o teletrabalho fora da jornada, salvo previsão em acordo individual ou negociação coletiva de trabalho; e (vi) a dispensa das regras sobre duração da jornada de trabalho para aqueles empregados em regime de teletrabalho que prestam serviço por produção ou tarefa.
Do mesmo modo, a Medida Provisória nº 1.109 também trata de medidas alternativas de natureza trabalhista voltadas ao enfrentamento da pandemia, incluindo no seu artigo 2º, inciso I, entre tais medidas, exatamente o teletrabalho, constando dos artigos 3º ao 5º as normas acerca deste regime laboral, englobadas as mencionadas acima.
De acordo com o artigo 3º da MP 1.109, a alteração do regime de trabalho presencial para teletrabalho ou o retorno ao regime de trabalho presencial poderá ser realizada pelo empregador independentemente da existência de acordos individuais ou coletivos, estando dispensado o registro prévio da alteração no contrato individual de trabalho, sendo a única exigência a notificação, por escrito ou por meio eletrônico, do empregado com a antecedência de, no mínimo, 48 (quarenta e oito) horas.
Outra disposição que merece destaque reside no §3º que dispõe sobre a responsabilidade do empregado no fornecimento e manutenção dos equipamentos tecnológicos, bem como fornecimento da infraestrutura necessária para que seus empregados em regime de teletrabalho possam realizar suas funções adequadamente, devendo ser previstas em contrato as formas de eventuais reembolsos de valores despendidos pelo trabalhador para este fim.
Constata-se que o trabalho remoto, além de contribuir para a prevenção e difusão do vírus, veio para ficar, sendo objeto de diversos estudos e pesquisas envolvendo a saúde mental, psíquica e fisiobiológica dos trabalhadores, que vêm convergindo na percepção de que tal modalidade de trabalho oportunizou uma maior interação dos trabalhadores com seus familiares e, ainda, a flexibilização da rotina laborativa, tornando-se muito bem-vinda e necessária toda e qualquer regulamentação a seu respeito garantindo maior segurança jurídica entre os envolvidos.
Outro assunto importante abordado pela MP nº 1.108 diz respeito ao auxílio-alimentação, trazendo novas regras acerca da fixação de multas para as empresas que permitem o uso do valor disponibilizado para finalidades diversas do pagamento de refeições ou aquisição de gêneros alimentícios, bem como a estipulação trazida pelo artigo 3º, transcrita abaixo, sobre a contratação de pessoa jurídica para fornecimento do auxílio-alimentação (como, por exemplo, a conhecida SODEXO):
Art. 3º O empregador, ao contratar pessoa jurídica para o fornecimento do auxílio-alimentação de que trata o art. 2º, não poderá exigir ou receber:
I – qualquer tipo de deságio ou imposição de descontos sobre o valor contratado;
II – prazos de repasse ou pagamento que descaracterizem a natureza pré-paga dos valores a serem disponibilizados aos trabalhadores; ou
III – outras verbas e benefícios diretos ou indiretos de qualquer natureza não vinculados diretamente à promoção de saúde e segurança alimentar do trabalhador, no âmbito de contratos firmados com empresas emissoras de instrumentos de pagamento de auxílio-alimentação.
Para aqueles contratos de fornecimento de auxílio-alimentação que já estão vigentes, não se aplicam tais previsões legais, até o seu encerramento ou em até 14 (quatorze) meses da data da publicação da Medida Provisória (o que ocorrer primeiro).
Estas medidas poderão ser adotadas pelo período de até 90 (noventa) dias, prazo que poderia ser prorrogado enquanto perdurasse o estado de calamidade pública reconhecido pelo Poder Executivo Federal, entretanto, em 22/04/2022 foi publicada a Portaria GM/MS nº 913 de 22 de abril de 2022 que decretou o fim do estado de emergência.
A decretação do encerramento da Emergência em Saúde Pública pode alterar o cenário para aplicação das disposições contidas nas MPS 1.108 e 1.109, vez que perderão a sua vigência após 30 (trinta) dias da publicação da referida Portaria, não mais podendo ser aplicadas as medidas aqui expostas.
Contudo, não se exclui a possibilidade de que seja aprovada nova norma versando sobre a permanência de tais medidas independentemente do Estado de Calamidade Pública ou outro posicionamento possível para regulamentar tais assuntos.
Letícia Martins L. Haicki
Advogada | Núcleo Trabalhista