Por: Por Fabio Graner e Joice Bacelo | De Brasília |
Fonte: Valor Econômico | 15/08/2019
A medida provisória da liberação do FGTS (MP 889) traz uma mudança que estabelece que as empresas ao realizarem os procedimentos para o recolhimento dessa obrigação façam a chamada “homologação automática”. Nela, há uma confissão de que o recolhimento é devido, mesmo que a empresa não efetue o pagamento total. A nova sistemática deve permitir não só melhor fiscalização pela Secretaria de Trabalho, mas também mais celeridade para o trabalhador enxergar se os recursos estão sendo depositados e eventualmente acionar a justiça.
Nesse sentido, a medida provisória também traz a consolidação de uma prática na qual se interrompe o prazo prescricional de cinco anos do FGTS quando há denúncia de falta de recolhimento. “Na linha da preservação da capacidade de investimento do FGTS, a medida aprimora a arrecadação das contribuições, reduzindo a evasão e o inadimplemento dessa obrigação trabalhista”, diz a exposição de motivos da MP.
Um interlocutor que participou da elaboração da medida explica que o dispositivo que consta no artigo 17-A abre o caminho para que, a partir de 2020, a operação de envio dos dados e o recolhimento do FGTS sejam feitos de forma individualizada, o que permitirá ao trabalhador saber com defasagem de um ou dois dias se o seu recurso está sendo pago, diferentemente do que ocorre hoje, quando às vezes demora até dois meses para se poder verificar se houve o recolhimento.
A mesma fonte explica que a medida deve tornar as condições de competição entre as empresas mais equânimes, pela menor sonegação, e isso pode abrir espaço para no futuro ocorrer redução dos encargos envolvidos no FGTS.
Atualmente, as empresas fazem o repasse para Caixa Econômica Federal, que é gestora do fundo, de toda a sua folha de pagamento e cabe ao banco fazer a segregação dos valores. Se houver insuficiência, não há uma confissão explícita da companhia que enviou os dados e os recursos. Com a nova sistemática, que se aproveitará do E-social, o sistema se assemelhará ao que ocorre com o Imposto de Renda Pessoa Física, que só pode ser transmitido à Receita após o contribuinte reconhecer o valor devido e emitir o Darf, mesmo que ele não seja pago depois.
A MP também resolve uma questão jurídica sobre o prazo prescricional. Com a celeridade no depósito, a expectativa é que os trabalhadores e também os órgãos de controle acompanhem melhor se o recolhimento está sendo feito e as falhas sejam comunicadas mais imediatamente. A abertura de processo interrompe o prazo, que o STF fixou em cinco anos, conforme expresso no artigo 23-A.
“Há, nesse panorama, grande melhoria na relação jurídica entre Estado e administrado, com significativa redução de custos de transação. O Estado só agirá de ofício quando o empregador ou terceiro obrigado não prestar as referidas declarações, ou as fizer com erros e omissões, ou ainda com o intuito de fraude ou sonegação”, diz a exposição de motivos. “Em prol do trabalhador, a medida prevê, no caso do lançamento do FGTS, que o prazo prescricional seja interrompido com o início do respectivo procedimento administrativo ou medida de fiscalização”, completa.
Advogados ouvidos pelo Valor reconhecem que as medida trará maior segurança ao sistema de arrecadação do FGTS, inclusive com impactos positivos na arrecadação do fundo. Mas há também ponderações sobre risco de aumento na burocracia das empresas e dificuldades com o reconhecimento mais imediato de dívidas que talvez elas não tenham capacidade de saldar tão rapidamente, apesar de haver possibilidade de parcelar os débitos.
Para a advogada Christiane Valese, coordenadora da área tributária do escritório Rayes & Fagundes, a medida tende a facilitar a fiscalização do FGTS. Da forma como é hoje, ela diz, em que as empresas informam somente a base de cálculo e o valor total do FGTS recolhido, a fiscalização acaba ficando presa à do INSS.
“Se a empresa está pagando INSS sobre uma base errada, consequentemente estará pagando o FGTS sobre uma base errada. Mas não há uma fiscalização voltada diretamente ao FGTS”, afirma a advogada.
“Com a mudança, no entanto, ficará muito mais visível quais são as verbas trabalhistas que estão sofrendo a incidência do FGTS e isso, consequentemente, vai facilitar a fiscalização desses valores”, acrescenta a tributarista.
Mas, para ela, é provável que isso gere mais burocracia para as empresas. “Porque se está criando nova obrigação acessória”, frisou Christiane. O impacto, ela pondera, vai depender do formato que será exigido – e que não consta na MP. “Se essa obrigação vier no mesmo formato e mesmo molde que permita à empresa utilizar o arquivo que ela já usa para a transcrição do ESocial, talvez seja mais fácil. Mas ainda não temos essa informação.”
Richard Edward Dotoli, sócio da área tributária do Costa Tavares Paes Advogados, explica que o artigo 23-A, que estabelece a interrupção da prescrição, cria uma espécie de “prazo decadencial” aos moldes aplicados aos tributos (FGTS é direito do empregado, e não tributo).
O dispositivo prevê uma interrupção da contagem do prazo prescricional, mas não deixa claro quando ela se encerra, especialmente nas hipóteses da entrega da declaração. Isso pode “eternizar” o prazo prescricional, interpretação que provavelmente será levada ao Poder Judiciário a partir do momento em que o órgão gestor do FGTS ou o próprio Ministério do Trabalho deixar de fazer a fiscalização ou a cobrança, diz o advogado.
“A princípio, a grande discussão que enfrentaremos será com relação à possibilidade da lei dispor sobre a interrupção do prazo prescricional que foi estabelecido na Constituição”, frisa.
Para Marynelle Leite, advogada da área trabalhista do Oliveira&Belém Advogados, o lançamento individualizado “por homologação”, a princípio, parece tornar mais claras as informações enviadas à Receita Federal e, por oportuno, ao trabalhador. Mas não é só isso. Para as empresas adimplentes, a comprovação do pagamento também terá um viés mais transparente, até mesmo para eventual necessidade de comprovação judicial dos valores pagos a título de FGTS.
Ela explica que, se por um lado há maior segurança jurídica, por outro, para as empresas inadimplentes, esta declaração representará a obrigatoriedade de reconhecimento do débito, garantindo aos trabalhadores o recolhimento da verba fundiária.
Fonte: https://www.valor.com.br/brasil/6391463/mp-do-fgts-traz-confissao-de-divida-pelas-empresas