Por Milton Carmo de Assis Júnior
1. Introdução
O objetivo desse trabalho é fazer uma análise das recentes decisões envolvendo o conceito de insumo e o direito ao crédito no âmbito da não-cumulatividade do PIS e da COFINS, que impactam diretamente nas apurações de empresas.
A 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça proferiu recente decisão nos autos do REsp nº 1221170, na qual foi esclarecido que o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios da essencialidade ou relevância, considerando a imprescindibilidade ou a importância de determinado bem ou serviço para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte, contrariando a orientação da Receita Federal do Brasil.
Baseada nessa decisão, a Fazenda Nacional autorizou os procuradores a deixar de contestar e recorrer em processos em que se discute o conceito mais restritivo do direito ao creditamento, conforme veremos adiante.
2. Contenda envolvendo a não-cumulatividade do PIS e da COFINS
A não-cumulatividade do PIS e da COFINS foi incorporada ao Texto Constitucional pela Emenda nº 42, de 19 de dezembro de 2003, que acresceu o § 12 ao artigo 195 da Carta Magna, determinando que as contribuições sociais em comento seriam não-cumulativas para os setores da atividade econômica que a lei definir[1].
As Leis nos 10.637/02 e 10.833/03, frutos da conversão das Medidas Provisórias nos 66/02 e 135/03, respectivamente, atenderam em parte o comando constitucional, ao instituir a não-cumulatividade das contribuições sociais ao PIS e à COFINS, através da qual o contribuinte tem o direito de descontar créditos decorrentes das aquisições de bens e serviços que serão utilizados para o desenvolvimento das atividades econômicas e profissionais da pessoa jurídica. Além disso, definiram os setores da atividade econômica que continuarão a recolher as contribuições em referência pela sistemática cumulativa.
As Leis nos 10.637/02 e 10.833/03 estabeleceram um rol taxativo de bens e direitos que podem proporcionar o crédito do contribuinte. Não são poucos os juristas que defendem a ilegitimidade desses dispositivos, sob o argumento de que foi criada uma espécie de não-cumulatividade mitigada, como forma de promover o injustificado aumento de carga tributária, em patente contrariedade às diretrizes estabelecidas pela Carta Magna.
De fato, existem nas Leis nos 10.637/02 e 10.833/03 restrições injustificáveis ao direito de crédito do administrado, como no caso de mão-de-obra paga à pessoa física, em prejuízo maior aos prestadores de serviços. A postura restritiva quanto à geração desses créditos não deriva única e exclusivamente do texto das leis, mas em função da interpretação literal praticada pela Administração Tributária.
Com efeito, a Receita Federal do Brasil definiu o conceito de insumo, na sistemática não-cumulativa do PIS e da COFINS, pautado na legislação do IPI, para autorizar os créditos somente em relação aos bens e serviços adquiridos para integrar diretamente ou fisicamente na produção dos mesmos, conforme disposições da IN 247/2002 e na IN 404/2004.
Assim, iniciou-se uma discussão jurídica sobre o assunto; de um lado os contribuintes que defendem um conceito mais amplo de insumos para possibilitar o crédito de PIS e de COFINS na sistemática não-cumulativa, contemplando todos os custos e despesas necessárias para atividade econômica do contribuinte; de outro lado a Receita Federal do Brasil impondo um rol taxativo em função da ação diretamente exercida sobre o produto em fabricação ou na prestação dos serviços.
3. Posicionamento do Superior Tribunal de Justiça e a Nota Explicativa nº 63/2018
A 1º Seção do Superior Tribunal de Justiça decidiu, nos autos do REsp 1221170, sobre a conceituação do termo insumos para crédito de PIS e de COFINS. A decisão foi proferida com efeito repetitivo, que significa dizer que o referido acórdão orientará os juízes e desembargadores sobre como julgar casos semelhantes em todo Brasil.
Para o STJ a definição restritiva da compreensão de insumo, proposta na IN 247/2002 e na IN 404/2004, ambas da RFB, é ilegal e efetivamente desrespeita o comando contido no art. 3o., II, da Lei 10.637/2002 e da Lei 10.833/2003, que contém rol exemplificativo.
No acórdão proferido restou esclarecido que o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios da essencialidade ou relevância, considerando a imprescindibilidade ou a importância de determinado item – bem ou serviço – para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte.
Segundo o voto-vista proferido pela Ministra Regina Helena Costa, que prevaleceu no julgamento do recurso, tem-se por essencial “o item do qual dependa, intrínseca e fundamentalmente, o produto ou o serviço, constituindo elemento estrutural e inseparável do processo produtivo ou da execução do serviço, ou, quando menos, a sua falta lhes prive de qualidade, quantidade e/ou suficiência”.
Por sua vez, entendeu a Ministra que “a relevância, considerada como critério definidor de insumo, é identificável no item cuja finalidade, embora não indispensável à elaboração do próprio produto ou à prestação do serviço, integre o processo de produção, seja pelas singularidades de cada cadeia produtiva (v.g., o papel da água na fabricação de fogos de artifício difere daquele desempenhado na agroindústria), seja por imposição legal (v.g., equipamento de proteção individual – EPI), distanciando-se, nessa medida, da acepção de pertinência, caracterizada, nos termos propostos, pelo emprego da aquisição na produção ou na execução do serviço.”
Segundo, ainda o voto-vista a análise da essencialidade e relevância deve ser apreciada em cada caso, a depender de provas.
Restou assentado ainda que, a adoção isolada do conceito de custos e despesas passíveis de dedução na apuração do Imposto de Renda da pessoa jurídica mostra-se imprestável na definição da regra da não-cumulatividade do PIS e da COFINS. As despesas e os custos necessários para se obter o acréscimo patrimonial nem sempre serão importantes para se auferir o faturamento e a receita. As realidades econômicas que fundamentam as exações do IR e do PIS/COFINS não se confundem, apesar do faturamento e da receita representarem um dos elementos de composição da renda.
Sob esse entendimento o STJ determinou o retorno dos autos ao TRF da 4ª Região para que, em cotejo com o contrato social da empresa, aprecie a possibilidade de dedução dos créditos relativos aos custos e despesas com água, combustível e lubrificantes, materiais e exames laboratoriais, materiais de limpeza e equipamentos de proteção individual-EPI.
Diante dessa relevante decisão a Fazenda Nacional publicou a Nota Explicativa nº 63/2018, autorizando aos seus procuradores a dispensa de recursos ou contestações nos processos que versem sobre o tema em enfoque. A orientação também é direcionada aos auditores da Receita Federal do Brasil e aos integrantes do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). A Nota destaca que o STJ adotou um posicionamento intermediário sobre o tema, não demasiadamente amplo para contemplar os conceitos de custos e despesas operacionais utilizados na legislação do Imposto sobre a Renda, nem muito restrito nos moldes das IN 247/2002 e IN 404/2004.
4. Conclusões
Diante do que foi exposto entendemos que foi acatada a técnica mais apropriada para se atingir a neutralidade no âmbito da não-cumulatividade do PIS e da COFINS, que define o conceito de insumo à luz dos critérios da essencialidade ou relevância, considerando a imprescindibilidade ou a importância de determinado bem ou serviço, para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte.
Em princípio, não serão todos os gastos incluídos no cálculo do crédito do PIS e da COFINS não-cumulativos, mas tão-somente aqueles realizados com o propósito de angariar o faturamento e a receita. Insumos seriam, portanto, os bens ou serviços que viabilizam o processo produtivo e a prestação de serviços, que neles possam ser direta ou indiretamente empregados e cuja subtração resulte na impossibilidade, ou inutilidade da prestação de serviço, ou da produção.
[1] Art. 195 (…) § 12. A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, b; e IV do caput, serão não-cumulativas.”
Por Milton Carmo de Assis Júnior: Advogado. Mestre em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Especialista em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Juiz nas Câmaras Julgadoras do TRIBUNAL DE IMPOSTOS E TAXAS (TIT) para o biênio 2018/2019.