Em 29 de dezembro de 2023 foi publicada a Lei nº 14.789/2023, resultado da conversão da Medida Provisória nº 1.185/2023, que institui crédito fiscal decorrente de subvenção para investimento em favor das empresas.
Com a publicação da referida Lei, a partir de 1º de janeiro de 2024, entraram em vigor novas regras acerca dos impactos sobre a receita correspondente às subvenções de ICMS concedidas pelos Estados, assim, a referida receita passou a ser incluída na base de cálculo do IRPJ, CSLL, PIS e Cofins.
Nesse contexto, a Lei nº 14.789/2023 trouxe novo tratamento tributário às subvenções, restringindo o uso de benefícios fiscais de ICMS por meio da revogação do art. 30 da Lei nº 12.973/14, que trazia em seu bojo a tão questionada, pela Receita Federal, equiparação entre subvenções de custeio e investimento concedidas pelos Estados, excluindo a receita delas provenientes do lucro real para fins de cálculo do IRPJ e da CSLL, desde que atendidos determinados requisitos legais e independentemente de terem elas sido ou não concedidas como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos.
O assunto já é discutido há anos em âmbitos administrativo e judicial, e parte dele, inclusive, já havia galgado posições firmes e consolidadas em prol do contribuinte, como fora o caso das receitas provenientes de créditos presumidos de ICMS, que eram inquestionavelmente excluídos do lucro real, bem como das receitas dos demais incentivos fiscais que, após percurso judicial, puderam ser excluídas, desde que constituída reserva de lucros e utilizada à absorção de prejuízos e ao aumento de capital social.
Por meio da alteração legislativa implementada, ficou evidenciado que o Governo Federal buscou, com a referida Lei, afastar de modo impositivo a não tributação sobre toda a gama de subvenções que encontrava-se sob arrimo legal do art. 30 da Lei nº 12.973/14 de forma a majorar a arrecadação fiscal, estabelecendo a incidência do IRPJ/CSLL e do PIS/Cofins sobre as receitas, independentemente da natureza da subvenção para investimento. Importante ressaltar este ponto, pois a trilha jurisprudencial que estava – e ainda está – sendo construída caminhava para a direção de findar os litígios acerca destas tributações, mormente considerando que após a LC 160/17 o entendimento era de que quaisquer subvenções de investimento poderiam ser retiradas da base.
Agora, além da instituição da tributação regular das receitas auferidas, apenas as subvenções que detenham contrapartidas econômicas previamente definidas pelo ente federativo é que ensejarão a possibilidade de aproveitamento de um crédito fiscal de 25% a ser usado para compensação de tributos federais ou recuperado via ressarcimento em dinheiro.
Para tanto, a lei determina que seja cumprido o requisito de habilitação da empresa previamente à data de implantação/expansão do empreendimento e que sejam prévia e expressamente estipuladas as condições e contrapartidas do empreendimento, nos termos da IN RFB nº 2.170/2023, que veio regulamentar a novel legislação. A habilitação passará pelo crivo da Receita Federal, que poderá, dentro do prazo de 30 dias, promover o indeferimento ou cancelamento. Em havendo inércia da Receita Federal no prazo estabelecido, o pedido será considerado aprovado.
Observa-se que desta novel condição para fruição do benefício de crédito fiscal é possível identificar que, para além de serem imediatamente tributáveis as receitas advindas das subvenções de investimento, o contribuinte ainda deverá comprovar junto à Receita Federal, mediante procedimento administrativo, o efetivo cumprimento das contrapartidas estabelecidas previamente pelo ente, para somente assim fazer jus ao crédito fiscal. Ou seja, o desembolso efetivo será imediato, mas a recomposição de parte deste desembolso, via lançamento de crédito fiscal, ficará sob os domínios da Receita Federal, dificultando, ou postergando, quando menos, a fruição do benefício.
Por outro lado, fazem-se necessárias algumas ponderações quanto à legalidade e/ou constitucionalidade de tais mudanças, para além das questões objetivas implementadas.
De início, é relevante ressaltar que os parágrafos 4º e 5º do art. 30 da Lei 12.973/14, , que previam a equiparação de todos os incentivos fiscais de ICMS a subvenções de investimento para os fins do disposto naquele dispositivo revogado, foram acrescidos pela Lei Complementar nº 160/2017; todavia, há severas dúvidas quanto à possibilidade de uma MP, ou mesmo uma Lei ordinária, possuir o condão de revogar o que fora anteriormente positivado por lei complementar, haja vista tratar-se de veículos normativos hierarquicamente inferiores em relação a esta última. Ressalte-se que embora o mencionado dispositivo tenha sido revogado pela novel lei, o dispositivo legal originário, na LC 160/17, encontra-se hígido.
Sobre esse ponto, inclusive, a própria exposição de motivos da Lei Complementar n° 160/2017 dispôs acerca da intenção de equiparar todos os benefícios fiscais e refletiu a busca por encerrar longo conflito tributário entre os entes federativos acerca do tema. Veja-se o retrocesso da medida exatamente neste ponto, acaso ainda restassem dúvidas: a novel legislação reinstala um conflito fiscal que caminhava para ser dirimido.
Indo além, tanto a Medida Provisória 1.185, quanto a Lei 14.789/2023, ao promover a revogação do art. 30 da Lei nº 12.973/14, trouxe regras gerais a serem aplicadas a todas as subvenções de investimento, indistintamente, é dizer: reduções de base de cálculo, alíquotas reduzidas, isenções, créditos outorgados, entre outros concedidos pelos Estados como forma de política fiscal, foram contemplados com a alteração normativa.
Sobre o crédito presumido de ICMS, especificamente, a jurisprudência judicial já havia sedimentado o entendimento, inclusive pelo Tema 1.182 do STJ, cujo mérito fora julgado em maio/2023, no sentido de que estes créditos não devem compor a base de cálculo do IRPJ e da CSLL em respeito ao Pacto Federativo, ao passo que, por se tratar de um benefício fiscal estadual, a sua tributação por estes tributos federais ensejaria interferência na política fiscal e na tributação do imposto estadual que é de competência exclusiva do Estado.
O STJ já há muito entendia que “quando a Lei Complementar n. 160/2017 equiparou todos os incentivos e benefícios fiscais ou financeiro-fiscais de ICMS (típicas subvenções de custeio ou recomposições de custos) a subvenções para investimento o fez justamente para afastar a necessidade de se comprovar que o foram estabelecidos como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos (conceito típico de subvenção de investimento). Não fosse isso, a equiparação legal feita pelo art. 30, §4º, da Lei n. 12.973/2014 (Incluído pela Lei Complementar nº 160, de 2017) seria inócua”.
Afora a violação patente ao pacto federativo, garantido pelos artigos 1º e 18 da Constituição Federal de 1988, é também refutável a própria incidência de IRPJ e CSLL sobre mera transferência patrimonial, podendo configurar ofensa à própria regra matriz de incidência tributária dos referidos tributos, em afronta aos artigos 153, inciso III, e 195, inciso I, alínea ‘c’, da Constituição Federal e ao artigo 43 do CTN.
Há discussão ainda acerca da tributação pelo PIS e pela Cofins, haja vista que as receitas também sofreriam a incidência destas duas contribuições sociais. A controvérsia envolvendo estes dois tributos também não é desconhecida nem recente, e tende a se perdurar. Atualmente, está pendente de julgamento no Supremo Tribunal Federal o Tema 843 – repercussão geral a inconstitucionalidade de inclusão dos créditos presumidos na base das contribuições sociais, à luz do conceito constitucional do termo “receita bruta”. O resultado desse julgamento trará reflexos no conteúdo da Lei nº 14.789/2023, haja vista que embora trate especificamente sobre os créditos presumidos poderá definir os liames sobre a definição de receita – que já foi objeto de enfrentamento em outras oportunidades – para todos os demais benefícios.
Não é demais ressaltar que mesmo antes da convalidação da MP na Lei em comento, houve a propositura de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 7551) pelo PL com o objetivo de afastar essa alteração legislativa proposta pela MP em razão da violação ao pacto federativo.
Rememora-se, por fim, que muitos contribuintes, objetivando assegurarem-se de seu direito de não tributar as receitas pelo IRPJ/CSLL/PIS/Cofins, valeram-se de ação judicial com fulcro nas disposições normativas do art. 30 da Lei nº 12.973/14. Entende-se que em razão da novel alteração suas disposições se sobrepõem a eventuais decisões judiciais transitadas em julgado, ou mesmo liminares deferidas, a partir de 1º/01/2024. Isto é, em relação ao tratamento fiscal dispensado até 31/12/2023, os contribuintes permanecerão assegurados de seu direito de excluir tais receitas. No entanto, para que a partir de 1º de janeiro seja possível a manutenção da exclusão, contornando-se a Lei nº 14.789/23, entende-se imprescindível nova medida judicial que assim lhe assegure.
Como é possível observar, a alteração legislativa em tela traz importantes questionamentos e aponta para irregularidades formais e materiais quanto ao tratamento fiscal das subvenções de investimento, razão pela qual a Assis Advocacia se coloca à disposição para encontrar alternativas viáveis diante de cada caso concreto, bem como para esclarecer eventuais dúvidas sobre o tema.
Por: Raíssa do Prado Gravalos Martinelli e Isabela Morales.